Ainda sobre os 50 anos do 25 de Abril...
Muito foi dito sobre a comemoração do "meio século" de vida da Revolução dos Cravos.
Uns apenas reconhecem a existência do 25 de Abril como o exacto momento em que surgiu a realidade política e regime democrático que conhecemos. Outros reconhecem o 25 de Abril como o momento que originou, porque outros se seguiram, a realidade política e regime democrático que vivemos hoje.
Ouvem-se ou lêem-se estas palavras e rapidamente se percebe que são extremos de opinião.
Mas também há casos, bons casos, em que impera o bom-senso e a necessária capacidade crítica para ver o que de facto representa o 25 de Abril. É o caso de Ricardo Pinheiro Alves, Professor universitário, que num artigo para o jornal digital "ECO" diz o que como deve ser visto o 25 de Abril, o que representa e o (mau) uso que lhe dão, palavras com as quais me identifico e concordo.
Deixo a transcrição e link:
Estamos a comemorar os 50 anos do 25 de Abril. E a propósito da data há um conjunto formado por três verdades insofismáveis que em Portugal continua sem ser consensualmente aceite:
1 - O 25 de abril é um dia que marca a mudança de um regime conservador não democrático para uma democracia liberal em Portugal. O processo não foi imediato, e teve várias fases que foram necessárias ultrapassar para se alcançar a liberdade e a democracia.
Uma dessas fases decisivas foi o 25 de Novembro de 1975, que marcou o fim de um período de vários meses em que sectores radicais tentaram instalar uma ditadura de esquerda. Como referiu o General Ramalho Eanes as duas datas não devem ser vistas em separado e o anúncio da comemoração dos seus 50 anos em 2025 é o modo ideal de completar a que agora se realiza.
Outras fases houve que não devem ser esquecidas – o fim do Conselho da Revolução, o julgamento dos crimes dos terroristas das FP-25, o fim do “caminho para o Socialismo” na Constituição ou uma economia descentralizada de mercado -, mas apesar delas e de divisões à volta de temas como o Ultramar e a forma como foi feita a descolonização, a data simbólica para a liberdade e para a democracia é inquestionavelmente a de 25 de Abril de 1974. Por esse motivo faz todo o sentido que seja feriado nacional (ao contrário de outras datas, como o 5 de Outubro, que representa a divisão da sociedade).
2 - A segunda verdade insofismável é que o Fascismo é uma ideologia perigosa. Como todas as ideologias não admite contraditório, o que já por si é desadequado para uma sociedade que se quer aberta, plural e livre. Mas esse não é o problema. O problema é subordinar os interesses do povo a um Estado forte e dominador, privilegiando o estilo propagandístico e a acção de um líder carismático sobre o conteúdo programático, e garantindo a sua popularidade e a sua aceitação com a diabolização de inimigos comuns. Felizmente em Portugal ninguém defende a instalação de um regime fascista nem uma transformação da sociedade que siga os preceitos dessa ideologia.
3 - A terceira verdade insofismável é que nunca houve Fascismo em Portugal. Aliás, a pessoa a quem podemos agradecer este facto é, por paradoxal que possa parecer, ao próprio Salazar, que controlou as simpatias fascistas existentes na sociedade portuguesa e representadas por pessoas como Rolão Preto.
Se juntarmos estas três verdades insofismáveis, e se aceitarmos o seu conjunto, facilmente concluímos que não há uma razão objectiva para que o 25 de Abril não seja comemorado como uma verdadeira festa nacional. A intenção revelada pelo actual Presidente do Parlamento, a segunda figura do Estado, de participar no desfile do 25 de Abril confirma este entendimento.
Como uma deputada municipal de Cascais dizia recentemente, o 25 abril é uma festa popular, é alegria, é animação, não é tristeza, e é dessa forma que deve ser comemorado. Mas se assim é, qual a razão para o paradoxo do 25 de Abril não ser uma festa consensual na nossa sociedade e não ser alegremente celebrado por todos os portugueses desde 1974? Porque é que muitos portugueses se limitam a aproveitar o feriado, ignorando ou desvalorizando as comemorações que se realizaram anualmente nos últimos 50 anos?
A resposta a esta questão é que o “fascismo” com letra pequena envenenou o 25 de Abril desde 1974. Enquanto as duas primeiras verdades, a importância da data e a perigosidade da ideologia, são consensuais, a terceira, a de que nunca houve Fascismo em Portugal, é recusada por muitos. E os que o recusam são os mesmos que manipulam o “fascismo” para envenenar o 25 de Abril.
O termo “fascismo” foi continuadamente usado nos últimos 50 anos para acusar pessoas desde o centro à direita do espectro político português. Os objectivos foram claros:
- Condicionar uma parte da sociedade portuguesa e empurrá-la para um canto, usando uma forma pejorativa para descrever os opositores políticos e tentando limitá-los ao máximo na sua livre capacidade de expressão e de afirmação dos seus valores.
- Tentar impor a ideia de que “fascismo” é sinónimo único de ditadura, escondendo a realidade e forçando a aceitação de outra ideologia com muitas similitudes com o Fascismo, nomeadamente na sua natureza de base totalitária, antidemocrática e contrária à liberdade: o Socialismo não democrático.
O problema da falta de um espírito comum nacional na «festa de Abril» não está na data nem no Fascismo, mas deve-se apenas ao “fascismo” imposto pelos que a querem manipular para defender os seus interesses. E é em nome desses interesses contrários à liberdade que o próprio 25 de Abril proporcionou que os promotores do “fascismo” se sentem donos das comemorações e só autorizam a participação de quem querem.
Os envenenadores de Abril
E quem é que não aceita a ideia de que nunca houve Fascismo em Portugal? O segundo paradoxo é que esta ideia não é aceite pelos que se dizem defensores da liberdade e tentam, desde 1974, instalar em Portugal uma polícia informal da linguagem e do pensamento, um dos maiores pesadelos dos regimes totalitários.
Ao contrário do que é repetido até à exaustão em escolas, em livros e na comunicação social, o Fascismo não terminou em 1974 porque nunca existiu antes disso. Pelo contrário, o que começou logo a seguir ao 25 de Abril foi o “fascismo”. As declarações de Vasco Gonçalves, primeiro-ministro próximo das ideias ditas “progressistas”, demonstram bem o que foi o “fascismo” nessa altura: «a constituição deve ser progressista, com direitos políticos e com nacionalizações … não deve ser perdido por via eleitoral o que tanto tem custado a ganhar ao povo português».
Como se passou a seguir ao 5 de Outubro de 1910, os autoproclamados “donos” do 25 de Abril apresentaram-se rapidamente e fizeram-no usando para isso o nome do povo: eleições sim, mas com os resultados que nós queremos, que são os do verdadeiro 25 de Abril, pois nós é que sabemos o que é bom para o povo, o povo é ignorante não o sabe.
Por isso o 25 de Abril marcou o início do período de chantagem emocional feito por um determinado sector da sociedade portuguesa em nome do “fascismo” e essa pressão prolongou-se até aos dias de hoje. Uma chantagem assente numa ética de desonestidade e de falta de princípios, uma tentativa permanente de condicionamento, sem olhar a meios e sem olhar à verdade, porque para os seus promotores o que interessa é apenas o poder.
Ao longo dos últimos 50 anos o “fascismo” teve as costas largas para os que mais falaram sobre democracia, mas que tentaram uma e outra vez transformar o país num regime não democrático. O sector da sociedade que verbalizou esta chantagem permanente considerava-se, e ainda se considera, a mentora ideológica de um homem novo que estaria à sua ordem, um repescar da herança de Rousseau e da Revolução Francesa sem a mesma intensidade de terror.
Mas o terror também foi usado pelos promotores do “fascismo”. Otelo e as FP-25 foram a sua dimensão mais sangrenta, que, infelizmente para os portugueses mais jovens, continua a ser escondida. A TVI deu, na semana passada, mais um triste exemplo de apagamento da verdade ao pretender que Otelo não pertenceu às FP-25 porque nunca participou em nenhum atentado.
A verdade é que os resultados das muitas eleições havidas nos últimos 50 anos mostram que os defensores desta manhosa e traiçoeira tentativa de impor um pensamento único nunca foram reconhecidos pelo “povo ignorante” como tendo credibilidade suficiente para governar Portugal (apenas foram cooptados recentemente por oportunismo político). Parece que afinal o povo nunca foi assim tão ignorante.
Hoje, os promotores do “fascismo” que envenena o 25 de Abril estão no PCP, BE, Livre e em parte do PS, nas universidades, em associações ditas “culturais” ou “ambientais”, na comunicação social e espalhados pelo ativismo intolerante que veio substituir a velha luta de classes. Continuam a motivar os seus apoiantes com a mesma música de sempre: o combate “antifascista”, sendo que os “fascistas” deixaram de ser parte do PS (como eram em 1974), do PSD ou do CDS.
Para estes radicais a verdade muda como muda a direcção do vento. E só é verdade o que lhes corre de feição. Enquanto houver “fascismo” haverá sempre lenha para alimentar a fogueira do seu radicalismo. Agora o “fascismo” passou a estar acantonado na nova direita, que a esquerda radical promove para “alimentar” a sua luta.
O que os factos mostram é que há uma quarta verdade insofismável: a responsabilidade pelo facto de a festa de Abril não ser comemorada por todos é da esquerda radical promotora do “fascismo”. E esta esquerda radical é o derradeiro obstáculo à concretização do 25 de Abril.