A ideia da presente partilha teve origem numa resposta dada ontem pelo autor "Cheia" a uma publicação minha, em que era referido, de forma breve, um episódio da vivência militar do comentador, e em que eu respondi que um dia partilharia um episódio do tipo.
E como eu quando prometo cumpro, para evitar esquecimentos, cá vai:
Algures nos finais dos anos 90 do século e milénio passado, eu era o comandante de pelotão e instrutor de um curso de formação de cabos pára-quedistas. Na semana final do curso, foi tempo de pôr em prática tudo aquilo que havia sido aprendido nas semanas anteriores, sendo assim aquela semana a de exercícios. O curso foi dividido em 4 equipas, se não estou em erro, sendo que cada equipa seria acompanhada por um dos instrutores do curso.
O exercício final começou com um lançamento de pára-quedas, desenvolvendo-se as actividades a partir da zona de aterragem.
Como era o mais antigo, a minha equipa foi a primeira a saltar, comigo na linha da frente. Ia equipado com mochila e armamento, do qual fazia parte uma pistola Walther P38.
Já não me lembro se por esquecimento ou se por achar que iria correr tudo bem, certo é que não coloquei o fiador na pistola (o fiador corresponde a uma peça que se prende ao punho da pistola e que está preso a nós para evitar perder a pistola caso salte do coldre). Eu estava muito concentrado no salto pois iria ser feito, não pelas habituais portas laterais, mas pela rampa, proporcionando uma visão completamente diferente daquilo a que normalmente estavamos habituados.
Chegado o momento, e sem hesitar, saltei da aeronave e lá vim eu a rasgar os céus lusitanos.
Convém aqui referir duas coisas:
- Perto do local onde era a zona de aterragem, haviam terrenos agrícolas e animais;
- Os pára-quedas usados no salto não permitiam um controlo absoluto do destino do pára-quedista, apenas permitindo uns muito ligeiros ajustes na trajectória.
Quando me comecei a aproximar do chão, comecei a analisar visualmente o terreno onde iria aterrar para poder efectuar os respectivos procedimentos correctos de aterragem. Ao olhar para o chão consegui perceber que existiam uns estranhos montículos espalhados por toda aquela zona, mas a partir da altitude a que me encontrava, eu não conseguia perceber qual a sua natureza. Aliás, só a consegui perceber quando, por muito que tivesse tentando, aterrei mesmo colado a um.
E do que eram feitos os montículos? - perguntam vocês.
Pois bem, era dejectos de vaca... aos montes!!! Felizmente, e como já referi, na aterragem fiquei mesmo ao lado de um. Levantei-me, agradeci a sorte que tive e comecei a conferir o equipamento. Para minha aflição, reparei nessa altura que a pistola não estava no coldre e foi aí que tomei consciência de que não tinha colocado o fiador.
A perda de material militar, concretamente armas, é algo muito grave, pelo que comecei a dizer mal da minha vida. No entanto, e vai-se lá saber o porquê, quis o destino que eu olhasse para o "monte" ao lado do qual tinha aterrado e reparei que o mesmo apresentava um estranho e suspeito buraco. Dei por mim a pensar: será? Não pode ser!!!
Enchi-me de "coragem" e lá vai braço para uma busca profunda ao local, conseguindo recuperar a pistola que, "felizmente" ali tinha caído.
Uma estranha sensação de tranquilidade invadiu o meu espírito e dei por mim a agradecer, do fundo do coração, o facto de ter podido enfiar a minha mão no meio de tanto "vestígio biológico" e ter podido recuperar a minha pistola.
Escusado será dizer que a lição foi aprendida e, curiosamente (e vá-se lá saber porquê), nunca mais me esqueci de colocar o fiador na pistola.